olha as mãos distintas da mãe
segurando a travessa a caminho
da mesa
olha a tristeza
subindo pelos fumos do jantar
olha as minhas próprias mãos roçando a toalha de linho
junto ao joelho da prima e olha para ti depois de tudo
fraco para evitar que da revoada ou da bruma
volte a descer o desgosto
o pai tinha uma mãos bonitas que nas costas e nas falanges
tinham pelinhos curtos que à morte foram brancos
e ainda cingimos quentes porque nós,
já velhos, esperámos no quarto o fim
como em meninos a alvorada
um de cada lado do pai de mão dada pela alameda dos plátanos
que no verão era a infinita lonjura
da ventura
e na primavera o trilho infausto dos amores
no outono as folhas de pontas caídas
no inverno as próprias mãos do pai
mais do que os casacos e os chapéus
e os galhos suplicantes
até nos encostarmos à cerca de cimento caiada a branco
da estação
e quando os comboios passavam
o pai nos puxar para ele e as mãos
nos guardarem
perpetuamente
como matéria negra onde
explodem supernovas
e bailam trajes de luzes
pelas eras
terás mornas as mãos dos que amaste
entre as tuas e os laços dos dedos
atados para sempre
olha as mãos dela apertando os livros
ao peito e a travessia
contigo, olha as mãos
a velar o sorriso, olha
a estrela polar na galáxia
proximal e as mãos enfim
entre as tuas ou em concha
sob os frutos
olha as mãos dele sem saber onde ficar
na vertigem do cruzamento
com ela, olha as mãos
nas algibeiras, olha
a estrela polar na galáxia
proximal e os nós
sobre os teus no curso
dos afluentes
olha as mãos dos bebés a dar-te
virtude
olha as mãos das crianças a dar-te
guarida
olha as mãos dos amigos e
os braços que em partes
da vida são inteiros
amparos
olha a piedade
das mãos dos maestros
em todos os aplausos
que abriste
olha as mãos dos médicos
a erguerem tabiques
entre os medos
olha as mãos dos professores
no giz que alumia
o quadro negro
olha as mãos que pungem
as teclas e erguem as forcas
dos números, de como é devassa
a hierarquia
olha as mãos no gatilho
das pistolas com os canos apontados
às bocas
olha as mãos nos microfones
dos que falam sem voz
de como é deus
o nada
olha as mãos dos músicos a pedir
esmola
olhas as mãos dos escritores
na ocultação exacta
do inútil
olhas as mãos dos pintores
no cosmos do traço
exordial
olha as mãos dos escultores
na evidência da
amputação
olha as mãos que formaram violinos
do arame farpado e descansam
com perdão e lágrimas
nos dedos
desfeitos os punhos que combatem a memória olha as mãos
sinaleiras sobre as mãos sinaleiras
olha outra vez a piedade
das mãos sobre o teu rosto
olha as mãos dos padeiros sobre a fome
olha as mãos de tribunos sobre o
brio, olha a espada nas mãos
de magistrados e padres
nas mãos de profetas
olha filósofos em silêncio e mãos
no ar e o riso troante
nos campos finitos e no mar
olha as mãos dos pescadores
olha as mãos dos poetas a chorar
olha as mãos de polícias
a abjugar e a arder
como as mãos de bombeiros
olha as mãos dos carpinteiros na
saciedade e as de troia
em todos, todos!, os cavalos
olha as mãos dos sapateiros
nos caminhos por fazer
olha as mãos na água por beber
olha as mãos na terra por comer
olha as mãos da avó
a pelar as castanhas cozidas
e as mãos do avô nas malgas
de vinho e nas conchas
de sopa
olha os abraços à porta das aldeias
olha a piedade do vento
nas mãos da turba e a solidão
das mãos do mundo inteiro
nas mais longas auroras e agora
olha as mãos da mãe a ceder ao inverno, lassas
da forma que deram aos colos, doridas
da leveza que ofereceram às
almas
e aos solos
olha as mãos do pai
como galhos suplicantes
o pai na alameda dos plátanos de chapéu e
casaco, por fim
PG-M 2015
fonte da foto
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