2015-05-01

Ana de Amsterdam e Thomas Bernhard

 Outro dia, em plena leitura cúmplice, ia escrever "como é bonita Ana de Amsterdam".
E depois de Thomas Bernhard senti-me enganado.

Aqui por casa todos se riam quando eu dizia que nunca tinha lido ninguém tão inconveviente, bruto e insensível para a sensibilidade média das cidades e do mundo como o Thomas, e no entanto algo de luminoso sai de cada linha, a textura das frases é fresca e redentora, e não é exactamente o que vi dito dele na imprensa, com os graus superlativos e comparativos do costume, como se o tempo já tivesse acabado ("Herberto cortou o século XX em dois", vejam bem, e nem sequer foi incluído nos quinze anos que adentrou o XXI). Do Bernhard há passagens perfeitamente loucas, que foram apenas o exercício desse direito, de ser louco. Ana tem um timbre quente, às vezes fervente, mesmo quando diz que está triste. Se Thomas tivesse dito mal do Porto como, por exemplo, de Salzburgo, eu ia sorrir e aproveitar a oportunidade para evoluir. Mas Thomas está morto e esse diálogo faz-se de outra forma - quando vivo, poucos entre os visados aproveitaram a oportunidade para evoluir, pelo contrário, cerraram as fileiras da mediocridade. Já Ana está viva, bem viva, e é desconcertante e estimulante. É um teste de hipocrisia que se podia comprar nas farmácias como os testes de gravidez. E uma verdadeira páscoa. 

PG-M 2015

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