Nota: o texto é publicado fora de data. Portanto, estamos em Setembro (de qualquer ano)
Gratidão. Temos centenas de queixas, as coisas perfeitas andam longe,
vivemos num país com tanta beleza quanto mediocridade, há muitas
certezas no ar, poucas dúvidas fundadoras no chão, os amigos nomeiam
imperceptivelmente os amigos, há lapsos no mérito, quer-se fazer melhor
mas há um cansaço a travar e um ordenado a proteger, no fundo tu serenas
no meio de imprecisões e de homens sem qualidades. Há, no entanto, quem
esteja curioso com a tua felicidade improvável e te queira receber e
escutar. Eu, atrevendo-me a falar também em nome dos que, como eu, têm o
privilégio de correr o país por capelas que celebram o que criam, e
depois de uns sete meses inesperadamente loucos e intensos, tenho apenas
vontade da solidão e da gratidão. Preciso de fazer este balanço, antes
de seguir com a vida, já depois do almoço. Creio que este ano que passou
- de algum modo ainda faz sentido, para mim, medi-los de Setembro a
Julho, ficando Agosto como o abismo hegeliano - foi dos mais importantes
e felizes da minha existência, e, lá está, falo por alguns outros
criadores que vejo no mesmo ponto, no mesmo deslumbramento. Sem alarido,
resgatei a minha paz na função criadora. Estou cansado e sem memória do
detalhe, mas feliz. Recebo amor todos os dias do exterior sem o
procurar e vejo a solidão que me alimenta respeitada. Finalmente conheço
gente sexualmente lúcida. Recolho à caverna profunda de onde vim.
Apetece-me muito, muito, desparecer do lado mais público, mas acho isso
um atrevimento cívico e uma desnecessidade, até porque é certo que, quem
não se agita ou salta perante a opinião pública, quem não investe na
personagem literária que é, é rapidamente esquecido. Desejo isso. Ao
mesmo tempo, peço a vossa paciência a cada despertar de hibernação. Eu
ainda sou uma personagem literária, não egocêntrica, mas altamente
limitada pela dimensão plana que tenho na construção que faço de mim
aqui. Quase nada me importa além da literatura, mesmo que possa parecer
que sim, e isso torna-se uma constatação amarga para alguns amigos.
Agora estou investido num projecto a quase dez anos, precisamente porque
desejo afastamento de tudo o que é dinâmica editorial. Tenho alguns
filhos (livros) já criados que um dia sairão de casa. Não sei quando nem
pela mão de quem. Não me perguntem, eu prometo que digo logo que saiba.
Gratidão. Ou seja, apesar deste ano determinante em que a maturidade
ensinou caminhos por mágoas, cada vez são mais os caminhos e menos as
mágoas. Somos elementos frágeis. Por sermos isso, não tem sentido
aspirar à perfeição pessoal - mas a obsessão da perfeição criativa é
incontornável. E essa é a conclusão deste balanço de meio de vida e de
meio de criação: quero criar em silêncio e darei o que me apetecer. Mas
darei a todos e, principalmente, tenho vontade de amar todos, mesmo os
maus ou os medíocres, porque tenho esta convicção profunda de que o amor
é uma peste que cobrirá tudo. E peço consintam que não seja sempre
meigo, que ame criticamente e com a violência do que aspira sempre ao
degrau de cima. Não do poder, mas da composição do tempo. Obrigado.
PG-M 2015
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