2014-05-13

Braszil


Esperei. Esperei uma semana e fiquei à espera de que o Brasil me saísse do corpo.
Os cheiros, os sabores, os fusos, os medos, as expectativas. Queria escrever em estado de consciência, e, em certa medida, o animal de alma cheia é um animal inconsciente, ou pelo menos subconsciente. Cedo percebi que nada mudava. A única diferença do terreno que deixara no fim de Abril fora o medo e o respeito pelo gigantismo e pelo perigo de São Paulo, onde, apesar de tudo, não passei da porta - a nobre Avenida Paulista em dia de Parada Gay. Porque em Minas Gerais a sensação mais estranha e inesperada de todas foi sentir que estava perto de casa. Não sei se a arquitectura, se o perfil das ruas, a cor das casas, o peso do ar, o sol - por ser inverno e estarmos a mil e duzentos metros de altitude o tropicalismo esbate-se -, mas a verdade é que só o imenso oceano agride esta certeza de sermos um só povo, uma só cultura, uma só pátria.
O Brasil é longe por causa do mar.
É mais longe de Portugal do que o pólo norte.
De avião, é tão longe de Portugal como Tóquio de Frankfurt.
Não se tem essa noção até se ter passado dez horas num avião, dois terços delas apenas sobre o mar. E isso é injusto e violento, para o tanto que podíamos fazer lado a lado, e que, por obra e graça de músicos, pintores, escritores, vamos fazendo, não por esforço de governos ou editoras, tampouco da CPLP ou de acordos ortográficos anquilosados, essa raça de gente que continua a brincar às uniões e às irmandades mas não é capaz de fazer uma coisa tão simples como permitir uma ponte de livros duty free com portes subsidiados entre os dois países, pelo menos para intercâmbio entre eventos culturais. Não. É quase impossível e incomportável enviar livros para o Brasil. Já pessoas não.
E nós fomos.


Deixem-me também dizer-vos, para afastar isto do sistema, já que, sinceramente, as saudades do grupo e da sua dinâmica são mais que muitas: para o Brasil partiram cinco indivíduos que escrevem, regressaram seis irmãos. Pode parecer "cheesy" dizê-lo assim, mas houve um trabalho activo de adaptação de cada um aos outros, foi encontrado um ponto médio onde o grupo funcionava perfeitamente, foi deixado o espaço individual - mais do que isso, respeitado e protegido o espaço e as opções de cada um -, encontradas também as caricaturas, o momento em que cada um era o artista e os outros ouviam, e, nas palestras, todos estiveram presentes para todos.


Depois foram as rotinas, que se podem ver no vídeo que resume a nossa presença no Brasil para quem nos recebeu e para quem nos viu partir: o nosso "Ponto" (onde tomávamos o primeiro café da manhã, um "expresso puro"), na esquina das ruas Minas Gerais e Rio de Janeiro, servido sempre com um "copito de três" de águas gaseificadas e, quase sempre, pão de queijo; o caminho para o Teatro da Urca, onde decorre o FLIPoços, passando pelo magnífico jardim do Parque José Afonso Junqueira, projectado pelo arquitecto Eduardo Pederneiras em 1928, e que conta hoje com 1123 espécies de árvores, rodeadas de belíssimos jardins ornamentais, onde dancei com a Lívia e com a Sylvia Plath (Caroline Nunes) e esta disse a "Tabacaria" de um fôlego, para a Lívia ouvir com uma candura e atenção que nunca se viram no público de um poema :). Pela metade, as bebidas no charme do Palace de Poços. No final desse percurso, já em frente ao teatro, a nossa passadeira "Abby Road", atravessando a Avenida João Pinheiro. Depois ruas de esquadria com comércio autêntico, uma perdição porta sim-porta sim, porque Poços de Caldas protege-o: nas feiras de artesanato, por exemplo, só são permitidos artesãos locais.

Para bem comer, o Bepi, cujo dono aparece no vídeo a dançar a chula, e pela noite o Boteco Dom Pedro, onde fomos recebidos como reis por uma portuguesa, aliás tripeira, a Dulce - era consensual que se tinha comido aqui uma picanha uruguaia suprema, acompanhada de cerveja Brama ou Skol.

Pelas ruas da cidade, dia e noite, falou-se de tudo, desde o dia contra-tudo-e-contra-todos ao dia de sermos-positivos, ao dia filosófico-religoso, ao dia politicamente centrado, ao dia da literatura e da edição e dos livreiros, uma comunicação total que transvazou nas palestras, que as meninas mais atentas e críticas disseram terem sido as melhores, individualmente e em grupo, do festival nos últimos três anos.

E tudo  culmina nesse espírito omnipresente a que chamámos Serápio, e que o Luís Miguel Rocha descreveu, à chegada, melhor do que ninguém:

"Há uma personagem que sobressai na aventura brasileira: o seu nome é Serápio. Inventado pelos seis na manhã do primeiro dia, tornou-se omnipresente em todas as conversas. A sua omnipotência demonstrava-se através de palavras curtas em frases longas e toques no ombro a que se seguia a evocação dos nossos nomes próprios e uma pausa de alguns segundos como se não se lembrasse por que nos tocara. O Serápio não existe, a não ser nas mentes conturbadas de seis escritores, mas foi o nosso companheiro de viagem, sempre leal, sem nunca faltar, até à nossa extenuação. Um grande abraço, Serápio. Onde quer que estejas, deixa-te estar."

Fomos bem reais, contudo, na consideração, na estima uns pelos outros. Claro que a classe do Miguel Roza (uma surpresa absoluta, a caminho dos 84 anos) e a experiência e génio do Eric Frattini se destacaram, mas soubemos escutá-los, soubemos aprender, quisemos activamente aprender, e pode ser que, um dia, fiquemos parecidos com eles. Do Eric trouxe uma quantidade deliciosa de expressões ibéricas, sendo que a que mais se destacou foi "acojonante", já alvo de uma inesquecível tese de doutoramento de Arturo Pérez-Reverte sobre "cojones". Do Roza o símbolo, pela música, dos serões pessoanos, em "Un soir a Lima".

E reais foram a segurança Milene, a directora Gisele, o médico Rodrigo Falconi, as leitoras e actrizes e diseuses Caroline Nunes e Lívia d'Ângelo, Aidê, a livreira Cristina, a Dulce, a empregada do "Ponto" e tantos outros que não esqueceremos.

 E uma instituição: o abraço brasileiro. Uma brasileira - pelo menos uma mineira -, ao cumprimentar-nos, dá um beijo na cara e depois abre os braços e cinge-nos o corpo num abraço forte e prolongado. Este abracinho é tanto mais notável quanto é a moeda de troca mais escassa no mundo civilizado: não sei se aplaca a solidão, mas ajuda muito. O corpo ressente-se quando está longe de casa e não os tem. Mas em Minas deram-nos a toda a hora. E como foi bom.


O vídeo, no final, foi comunicação pura, sem poluição de tiques ou certezas.
É, não parecendo, literatura em estado puro.

O Joel Neto disse às meninas, com assinalável dureza e realismo, que é irrepetível - não voltes ao lugar onde foste feliz :) - mas, como ficou dito acima (agora com toda a certeza) o animal de alma cheia é sempre inconsciente.  Sempre.

Obrigado, Brasil. Ou Brazil. Ou, afinal de contas, nosso 

Braszil.

2014-05-07

Tabacaria dito por uma adolescente brasileira

Foi assim. A Carol e a Lívia gostaram da conferência dos portugueses Joel, Roza, Rocha e -Moreira e do espanhol Frattini, e manifestaram-no. No outro dia eu e o Eric saímos da notável palestra do sobrinho de Pessoa para um café, e a Carol mostrou os cadernos. O Eric ficou espantado com a tristeza e o pessimismo, eu fiquei ligado a algo que reconhecia. Nenhum de nós duvidou da qualidade do que ali estava, e faltava apenas cumprir uma vontade da Carol: ouvir os seus poemas ditos com sotaque do português europeu. Quando isso se concretizou, já no esplendoroso jardim de Poços de Caldas, em frente ao teatro da Urca, a Carol foi desafiada a dizer ela um poema: sabia a Tabacaria. Toda? Praticamente, sim. Pressentindo que fosse verdade, pedi para gravar. Eis. Quando cheguei ao hotel rolei o vídeo só para mim e pensei: como é possível isto, a oito mil quilómetros de casa? Como é possível ter tanta sorte? Magníficas Carol e Lívia.

2014-05-01

Discurso brasileiro


Nota:
ainda antes de publicar uma crónica sobre a semana no Brasil, que termina a 3 de Maio, partilho convosco o discurso de ontem na grande e comovente noite que o grupo de portugueses aqui viveu. Eles e o espanhol Eric Fratini, um gran tío: tenho uma aposta com ele, e até gostava que, para lá dos comentários, cronometrassem ao minuto o tempo que levam a ler o texto, e depois me dissessem, vale? :)

"O Zezé, d”O meu pé de laranja lima” sabia que só podia chegar a poeta se usasse gravata de laço. Portanto, se eu hoje quisesse ser poeta, já não podia, porque esqueci a gravata de laço. Então, mesmo sem gravata de laço, vou tentar ter um comportamento decente, porque eu tenho a certeza de que não pareço um escritor. Hoje estive uma hora ao espelho para poder afirmar isto a vocês com toda a verdade. Há alguma coisa na parte da frente do meu cabelo, pelo menos, que não me deixa parecer escritor, e tenho um pescoço muito alto para gravata de laço. De facto, o meu próprio pé de laranja lima foi o livro do Mauro e o meu tronco era o Zezé, que me fazia companhia nos corredores escuros da escola. Escuros porque a escola não previa que os meninos quisessem ler na hora do recreio e apagava as luzes. E eu não reclamava, porque tinha vergonha de pedir luz, e também porque assim estava mais escondido. E são milhões os que lêem às escuras, por pobreza ou vergonha, ou então por pobreza com vergonha, porque havia eu de ser diferente? Na verdade, eu não era assim tão pobre. Pelo menos o meu pai tinha um carro lindo como o português do livro, o Manuel Valadares, que se chamava Valadares como a terra de onde venho, uma praia perto do Porto, no norte de Portugal, chamada Valadares. Isto anda tudo ligado, já dizia o outro.

Mal cheguei a Poços, pedi para falar com o velho mais sábio, o sábio mais velho, o jovem mais avisado e o avisado mais jovem. Como o tempo era curto, tive de inventar, e fiquei pelos velhos que hoje aqui vos vou contar: peguei no primeiro dentista de Poços e na minha avó de olho azul.

O primeiro é o velho preto Defonso, senhor Ildefonso de Souza, primeiro dentista de Poços de Caldas, nascido escravo e falecido há 82 anos, o que não é nada para uma história como esta. O Senhor Defonso foi carpinteiro e marceneiro até depois dos 40 anos, idade em que iniciou a instrução primária. Conseguiu a alforria, sua e da dona Zeza, a mulher e também escrava, e conseguiu-o pelos próprios meios.
Apenas doze anos depois das primeira letras, já com prática como protético e dentista, e para calar a boca dos críticos, prestou exame na Faculdade de Odontologia de São Paulo. Era o 16 de Abril de 1902. Passou com distinção e tornou-se dentista até à morte, procurado por gente famosa, e diz a História que foi pai de dois dentistas também brilhantes que, chegados aos Estados Unidos para se especializarem, foram mandados embora por saberem mais do que os mestres.

Claro que, se eu já me sentia pequenino quando cheguei, mais pequenino fiquei quando conheci o velho Defonso, porque esta história de vida esmaga qualquer pessoa que não usa gravata de laço, e algumas outras que usam. E foi com o velho preto Defonso que eu ontem passeei pela tarde e pelas praças de Poços.

Ele pediu para folhear os meus livros, eu dei-lhos, ele tomou o seu tempo e depois perguntou-me:
“Mas porque é que nunca desistiu de ser escritor?”
Reparem que pergunta mais bela. Não perguntou porque é que eu sou escritor.
Perguntou como é que eu aguento ser escritor.

Eu respondi que era culpa de um engano do meu pai, claro. Ou das malvadas das lágrimas. Nunca contei esta história em público. Mas agora, que atravessei o oceano e vocês estão aqui de propósito, vou contar.

Eu era pequenino e andava com “O meu pé de laranja lima” na mala da escola. Foi o meu primeiro livro a sério, de tirar o ar. Até aí eu lia “Os cinco famosos” com os olhos fechados só para ver o que ia acontecer, só para dobrar as esquinas. A partir do Mauro eu comecei a ler com os olhos abertos e às vezes molhados. Na verdade eu não choro na vida quando não vale a pena. Mas choro quase em todos os filmes, mesmo os maus, e nos livros bons, já cheguei a chorar quando os olhos azuis da minha avó Glória estavam perdidos do mundo, mas isso eu já explico. Na verdade eu nunca fui pequenino. Nem costumo ir a festivais literários e eu acho que é por ser grande e gordo e não caber nas cadeiras. O primeiro festival literário para que fui convidado em Portugal era de literatura fantástica e eu pensei: claro, é sobre monstros. Já nasci com quase sessenta centímetros e as pessoas a comentarem “olha o grande”. Sei bem que há maiores do que eu, salvo seja, mas a verdade é que toda a minha vida eu ouvi coisas como “não páras de crescer”, “tens tanto de grande como de burro”, “és grande, mas não és grande coisa” e aquela coisa que os malvados fazem com as mãos por causa do tamanho do sexo, que para o pequeno dotado era o indicador mas para mim era sempre polegar.

Portanto, eu nunca fui o pequenino que gostava de ter sido. Andava com O meu pé de laranja lima debaixo do braço quando o meu pai me fez ter a certeza de que eu seria escritor. Eu queria entrar num concurso literário do colégio, mas eles exigiam originais batidos à máquina. Na altura não havia computadores. Eu escrevi um texto lindo-lindo-lindo sobre o amor de um filho pelo pai, comparava o pai a um rio e o filho a uma folha que o rio levava ao mar, tinha doze anos e estava com alguma esperança porque o professor de português tirou o lenço do bolso depois de ler. Outra vez as lágrimas, pai enganado, lágrimas malvadas. Então perguntei ao meu pai se podia levar o texto para a empresa e pedir à secretária para bater à máquina. Ele pediu-me o texto para ler. Eu passei por baixo da porta e fiquei ansioso à espera. Tinha doze anos, lembram? Tinha medo que ele respondesse como o pai da Pamela Travers, a autora da Mary Poppins, quando ela lhe deu o primeiro poema a ler: “Hum, não é propriamente Yeats.” Era um medo injustificado, porque a resposta do meu pai foi apenas "isto está uma merda, não vale a pena passar à máquina". Recebi o texto de volta, por baixo da porta, e fiquei calado. Nos dias seguintes li uma, duas, cem vezes. E terminava sempre feliz depois de ler. Eu era o rio, o meu pai era a foz. No dia em que acabava o prazo da entrega eu já não li “O meu pé de laranja lima” no intervalo do almoço lá no colégio. Coloquei-o ao lado do meu texto sobre um banco de cimento, arranjei uma folha branca e uma régua. Pus-me de joelhos no chão empedrado e escrevi uma carta breve a explicar aos jurados o que tinha acontecido, que não tinha sido possível bater o texto à máquina por pobreza, apesar do carro lindo. Então comecei a copiar o meu texto para a folha branca tentando imitar a letra da máquina de escrever, direitinho, sobre a régua. As minhas lágrimas corriam pela cara enquanto copiava. Outra vez as lágrimas malvadas. Eu nunca quebrei nem tive pena de mim. Mas a alma chorou para fora e eu não pude fazer nada. Foi a primeira vez na minha vida que chorei sem ser por birra de menino, joelho esfolado ou briga de irmãos. Nesse ano eles não fizeram escalões, meninos de dez anos e de dezassete concorriam ao mesmo prémio. O Mauro, o Zezé e o Tio Edmundo ampararam-me desde o pé de laranja lima: “Chora, rapaz, chora que esse choro é justo.” Disseram que não era choro de menino, mas direito fundamental. No final, eu quase tinha perdido a esperança, porque aos doze anos um menino ainda ama o pai. Mas não tinha perdido a honra nem a vontade de lutar. Depois do final, afinal, deram-me o primeiro lugar e eu achei que se tinham enganado. Como eu? Eu só tenho doze. O pé de laranja lima estava lá, na minha mão, quando fui receber o prémio. O presidente do júri pegou no livro e disse “deixa ver isso, hum, meu pé de laranja lima, muito bem, foi por isso que você escreveu.” Foi por isso.

Depois vim vida fora sempre combatendo a descrença do pai, pior, a certeza do nada, que gera indiferença. Esse nada faz-me sempre lembrar o último olhar azul da minha avó Glória e nem deu choro nem literatura, só culpa, e está aqui porque um escritor tem de lembrar. Mesmo um que não parece um escritor por causa do cabelo na parte da frente da cabeça e do pescoço muito alto. Trago comigo a avó do olho azul porque são tantos os brasileiros que deixaram as suas em Portugal, mandaram o Mauro para fazer companhia e se há pais sem crença, nunca isso sucedeu com as avós. Pessoas das nossas vidas que entendam o que é para mim a literatura, e porque é que sempre me sentirei mais pequeno do que o leitor e do que todos os sábios ou velhos, porque toda a pessoa feliz tem estas perdas, toda a felicidade tem aquela tensão, aquela dor abaixo do ombro esquerdo, um pouco acima do coração, toda a perfeição tem um pequeno buraco por onde espreitam os imperfeitos como nós.

E enquanto eu falo, aqui em cima, a Avó do olho azul está aí em baixo, sentada mesmo ao lado do velho preto Defonso, que lhe conta que em Poços tem um Rio das Antas, e ela
“Ai sim? E nós tínhamos um Estádio das Antas no Porto, que era a casa do nosso grande, infinito (digo eu!) Futebol Clube do Porto!”
e o Defonso explica, “ali o seu neto me conheceu através do Luís Nassif, que é primo do Nacibe da Gabriela, sabia?” e a Avó do olho azul brilha, a Gabriela é uma novela que faz parte da ideia fundadora do Portugal moderno, foi o descobrimento de Portugal, mas enquanto o meu avô materno fazia toda a gente calar só com o olhar para ver a Gabriela – chegou a despedir uma empregada doméstica só por deixar cair um talher ao chão durante a novela, mas ela foi logo readmitida na cozinha pela avó – a avó do olho azul era muito mais doce a ver a Gabriela.
Via assim:

(fiz a posição de pé, ela com o braço direito a segurar o cotovelo esquerdo e a mão esquerda a segurar o queixo)

com o olho azul a receber de volta o brilho da Sónia Braga, e se alguém falava para ela, ela só dizia:
“Espera um bocadinho, miguinho, espera um bocadinho.”

A última coisa que publiquei em Portugal, chamada “Livro sem ninguém”, foi com essa culpa no peito e sobre a nossa marca nas coisas, nos objectos, a atenção aos detalhes do espaço. Que nos permitam levantar os olhos para os outros.

E com esta vontade de tocar e porque eu tantas vezes me lembro daquela fila infinita do Saramago, aqui mesmo no Brasil, e ele a pedir desculpa por não poder dedicar o livro, mas só assinar, para que os últimos da fila não esperassem dias para chegar até ele, tive uma ideia que trouxe para Poços, e que vou tentar aplicar mesmo que eu aqui tenha uma fila de duas pessoas:
ou um autógrafo ou um abraço. Eu fico a dever o autógrafo a quem escolher o abraço, e o abraço a quem escolher o autógrafo, o que significa que tenho de me encontrar duas vezes, pelo menos, com cada leitor.
Fico grato a todos, mesmo a todos, mas queria referir aqui quatro que não conheço mas ouvi dizer que vinham. Quatro rapazes e raparigas estudantes de uma pós-graduação em literatura na Universidade Federal de Goiás que conduziriam mais de dez horas desde Goiânia só para me dar um abraço. Para eles tenho uma oferta especial dois-em-um: se eles quiserem, levam abraço e autógrafo.
Olha, mudei de ideias, levam todos!
E vocês, todos vocês, por favor não me esqueçam nunca, que eu também não, tá?
Obrigado."

PG-M, 30 de Abril de 2014, Brasil (FLIPoços)