E todas têm um peso específico.
E nenhuma é leve.
Contudo, há pais que são desertos, silêncios, ausências. Meras deduções.
Ter de deduzir um pai a partir de uma qualquer operação lógica é, sempre foi, sempre será, um acto de violência gratuita sobre os filhos e sobre as mães que os amam com actos em consonância.
Mas, pai, talvez não tenha sentido usar contigo as mesmas palavras frias, os mesmos conceitos precisos, as lágrimas duras que fizeram de nós filhos de papel passado em vez de boleros.
E ainda assim eu sei que - sobre pais que nem um prosaico abraço concederam aos seus filhos pequeninos, nem cederam à tentação da beleza e da candura - nunca superarei o tom de manifesto. Mas se foi essa garantia de mediocridade que me impediu sempre de escrever o que era devido, hoje prosseguirei na lama:
Nós somos os filhos e as filhas nas costas.
É evidente que nos amas, pai.
Eu até sei porque te calas e não dizes nada
A verdade é que todos nós somos doentes incuráveis da mesma enfermidade.
Se o Cástor Perez, o pai de um rouxinol, essa Silvia, se senta num café com os velhos a fumar e jogar à sueca e tange a guitarra e a filha para a acompanhar nos Veinte años, e cada passo da letra parece dirigido à dedução do nosso amor, e não a outro qualquer, nós, os filhos deduzidos, deixamos a todos, sem excepção, as tais lágrimas duras por tudo o que não podemos ter,
um pai cumprindo um simples gesto de amor,
que o teu por nós foi sempre sacado por arredondamento, nos teus silêncios ou nas tuas ausências, pai. Qué te importa que te ame/ si tu no me quieres ya?
El amor que ya pasado/ no se debe recordar./ Fui a ilusión de tu vida/ un día lejano ya/ Hoy represento el pasado, no me puedo conformar/ Com qué tristeza miramos un amor que se nos va
E es un pedazo del alma
que se arranca sin piedad
E pelo menos um desses filhos tem um pedaço de memória não incinerada em que o seu pai se acompanhava à guitarra cantando a Paloma, dicen que por las noches no más se iba en puro llorar, juran que el msimo cielo se extremecia al oir su llanto. Como sufria por ella, que hasta en su muerte la fue llamando, ai ai ai ai ai, cantaba, ai ai ai ai ai, gemia, de pasión mortal moria, que una paloma triste
nos és otra cosa mas que su alma
E só aí, depois de um vibrato, eu me rendia e os serões explodiam em palmas
e eu ia impodindo em mim - quanta injustiça que o mundo te visse transparente
e eu não
quanta injustiça que o mundo te visse de cara aberta
e eu nunca
E agora tudo nos faz chorar, pai, a nós, aos enfermos.
O pai de uma escritora que aparece em todas as fotografias que lhe foram tiradas numa certa tarde chuvosa de feira do livro de Lisboa. Ridículo, pai.
E no entanto faz-nos chorar.
Todos os pais destes filhos enfermos se fundaram na própria ideia de egoísmo transformada em rigor.
Todos os pais destes filhos enfermos decidiram, num certo ponto da viagem, que há sentimentos que não merecem protecção, porque provindos da alta deformação da auto-piedade - mas todos os filhos enfermos, para sobreviverem, tiveram de gostar de si próprios.
Todos os pais destes filhos enfermos consideraram que o amor deve ser doseado.
Todos os pais destes filhos enfermos advogam a alta instância do inquebrantável "não" como condição na dinâmica evolutiva da espécie humana.
Todos os pais destes filhos enfermos guardam para eles palavras de chumbo amoladas em rebolo de betão.
Todos os pais destes filhos enfermos usam como máxima que a porta-da-rua-é-serventia-da-casa e
Todos os pais destes filhos enfermos os põem na rua;
Todos os pais destes filhos enfermos os traem
Todos os pais destes filhos enfermos terminam
e nenhum pai de um filho enfermo lhe foi doce,
bem chorasse nos filmes,
e nenhum pai de um filho enfermo deixou de dizer uma vez em todas as suas vidas
tu desculpa sabes que te amo sou teu pai
ou por ele ou por uma mãe
desesperada
e num fim óbvio de solidão auto-piedosa, esses pais, todos os pais destes filhos enfermos, se servem deles como seus cuidadores e ficam frágeis como fios de cabelo e denunciam, com propriedade, os abraços não implementados
pelos mesmos filhos enfermos.
alguns têm amantes, outros só a sombra
no olhar
Todos os pais destes filhos enfermos os vendem
Todos os pais destes filhos enfermos os perdem.
Mas todos os filhos enfermos se curaram para servir os que lhes sucederam
e dão outros erros, não os erros perfeitos dos que os antecederam,
dão erros cândidos
dão excessos, abraços,
beijos,
tens de parar com isso, pai
Com qué tristeza miramos un amor que se nos va
E es un pedazo del alma
que se arranca sin piedad
2 comentários:
Adoro!
obrigado, Juanita
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