Eu limpava o pó a uma certeza com um trapo
excisado de glorioso pano
da louça
e veio à estrema
o álbum da prateleira
do meio
que eu abri para aliviar
o mesmo dia de maio
e então vi-o, ao filho que não via
há precisamente quatro
horas
de beijo a fugir e olhar dentro
do celular
está maior do que a mãe
o corpo aos primeiros meses
a adentrar, primordial,
e tive a saudade que fez do peito
ónus
e enquanto sacudia na ombreira
o pano vi no relógio
ele a voltar
quando voltou
abracei um proto-adolescente com os braços inertes e a mochila nas costas
olá filho, obrigado
pelos dias desiguais
pelo amor sem condição
e a cara dele torcida,
a libertar-se dos beijos,
por me pores no lugar certo
da nossa casa pequena,
que nojo pai,
larga-me,
vi há pouco aquela foto em que a mãe está a ler uma revista no carro
e tu ao vidro com essa cara de malandro
depois vi mais dez, vinte, e sempre tu
como metrónomo
como piano
como sal
e tentando libertar-se o filho perguntou,
percebendo as lágrimas mas velando as emoções,
o que tens tu, pai?
o existencialismo
te pegou?
eu respondi não, rapaz,
foi a celeste do facebook
vou buscar pão
e à noite os Creedence nos bares
da Cândido
dos Reis.
PG-M 2012
