2014-04-09
apartamento
estou triste
disse ela
e passou o ferro na camisa
com vinco na evidência
a consequência
do tempo é o passado
(o vapor foi projectado)
e o problema do passado
é ter a mesma medida
do futuro
(o botão, que é duro,
partiu)
é infinito
ah, não,
respondi
(estava de costas e na mão
o esfregão
de aço)
o passado só é infinito
se acreditares em deus
não necessariamente
treplicou
estou triste,
a minha única forma de vida
é a morte
(mudou a peça na tábua
era uma blusa
transparente)
isso não é razão de tristeza
a morte ao lado facilita
(aquele tacho era o último,
estava limpo)
e pode não haver explicação para a tristeza
(limpei as mãos, virei-me,
ela estava de costas,
estendi os braços junto ao pescoço
dela,
tapei-lhe os olhos
o tronco dos meus dedos ficou
salgado
ela soluçou
colocou o ferro ao alto no suporte
a blusa deslizou para o chão
fiz menção de a apanhar
não deixou
rodou
no meu abraço
beijou-me
encostámo-nos ao parapeito
da janela do apartamento
bastou o ar quente de junho
e os táxis amarelos de nova iorque
a passar na sétima avenida
e eu a passar a caneca de café
nas bocas
e a tristeza,
não a morte,
partiu)
coloquei a pastilha na máquina
arranquei-a nos cinquenta
graus
ela voltou a forçar o vapor
na pressão máxima e disse
vão dizer que agora fazes poemas
banais
deixámo-nos rir algum tempo
o ar quente varreu a sala de estar
em oito
o cabelo dela livre
apaguei a luz branca da cozinha
ela o candeeiro
de pé
a roupa ficou numa pilha mais pequena
tratámos das solidões
em cantos opostos
da casa
eram três da manhã
eu encaixei o meu corpo
e ela, fetal,
dormiu
PG-M 2014
fonte da foto
Subscrever:
Comentários (Atom)

