Raramente escrevo sobre desporto, mais raramente ainda sobre futebol. Mas como nasci no Porto e aprendi a amar o FC Porto, onde treinei e onde o meu pai foi internacional e treinador, assim como um irmão, como estudei em Coimbra e aprendi a amar a Académica, como vivo em Valadares e estou todo orgulhoso que as meninas vão disputar a final da Taça de Portugal de futebol feminino, como estou delirante que o clube local de voleibol, o Atlântico da Madalena, tenha sido campeão nacional da segunda divisão e que o meu filho, pelo mesmo clube, vá disputar no próximo fim-de-semana o título nacional de infantis, onde provavelmente haverá um grande derby Atlântico-Benfica, pensei em escrever só isto, que no fundo é só o que me importa em qualquer actividade humana: ser "anti" o-que-quer-que-seja é ser descompensado emocional e mental - deixei de ter dúvidas sobre isso. Desejar o mal, não só a pessoas, mas a instituições, é precisar urgentemente de terapia. Usar cachecóis a dizer "Merda é Benfica" patológico. Não é por sermos um país pequeno e Lisboa ser, finalmente, uma belíssima cidade para qualquer tripeiro, e o Porto ser, finalmente, uma belíssima cidade para qualquer alfacinha. É porque os limites da natureza humana estão também nestes detalhes. A minha alma transporta uma comoção pelo granito que eu sinto num certo sotaque largo de quem ama o clube local, mas que não está em lado nenhum de quem odeia, de quem se esquece que em todo o lado, na sua vida, está uma pessoa que tem outra paixão e outra cor e que não é isso que a define, mas a distância ao centro das coisas. Na Casa do Benfica em Luanda os portistas e os benfiquistas fizeram ontem a festa, choraram, voltaram a fazer a festa e no final abraçaram-se, como em minha casa, como em muitas casas. Quanto mais nos afastamos do centro do furacão, quase sempre urbano, mais se limpa o cenário e depuram as pessoas, mais ressalta o bom e esquece o mau, mais fica o importante e evanesce o inútil. Os animais que agridem jornalistas e vão insultar o seu melhor adversário, o adversário sem o qual não haveria nem jogo nem vitória, e atiram pedras a quem faz o que sente ou deve, esses, não são nada, não são adeptos de nada, mas a vergonha das camisolas que abusivamente envergam. Eu, por causa deles, não me quero esquecer dos dias em que fui de mão dada com o meu pai para dentro dos pavilhões e dos estádios das antas, os dias em que, miúdo, me agarrei fascinado às pernas de um Freitas, de um Teixeira, de um Cubilhas, de um Fonseca, o dia em que os ouvi chorar porque aquele jogador chamado Pavão, o que tinha caído no campo aos treze minutos da jornada treze de um Dezembro aziago, tinha morrido, o dia em que me deram a camisola azul e branca para a defender, como se fosse a mesma do meu pai, como foi a mesma que, uns anos depois, o meu pai me ofereceu quando, já veterano e a jogar noutro clube, perdeu um set a zero com o mesmo FCP. E eu comecei a jogar voleibol com essa mesma camisola número três desse mesmo clube. Dentro de um pavilhão das antas contei vinte quedas, vinte, na minha bicicleta amarela, no dia em que o meu pai, antes do treino do FCP, me tirou as rodas. Tinha seis anos. E o brilho nos meus olhos era o mesmo quando o meu pai recebeu em casa uma chamada para treinar o FCP. E aquele homem careca meio curvado que ontem estava comovido, de pé, junto ao banco do FCP, logo a seguir ao golo do Kelvin, o médico Nelson Puga, que era jogador do meu pai em 1978 e quase se sentava no chão antes de cada serviço, curvado, de cócoras, paralelo à linha de fundo do court de voleibol, esticava o braço direito e fazia um arco sobre o braço esquerdo e a bola voava em elipse, era um gesto belo, belo, belo. Tão belo que nenhuma dessas feras criminosas que espumam contra os outros pode apagar a essência do que isto é, e que não se separa, nem nunca se separá, em Porto e Benfica. São memórias de luta, de músculo, de crescimento. Que a queda de Jesus sobre os joelhos deixou no coração de todos.
PG-M 2013
fonte da foto (jornal "A Bola")
4 comentários:
Texto duma sensatez inegualável.
Confesso que enfiei a carapuça, Pedro, pois pela cabeça passaram-me muitas ideias peregrinas contra as águias. Eu sou uma benfiquista renegada de Lisboa e adoro o FCP, ao qual me dediquei desde que vim para esta cidade em 1979.
A semana passada fui ver um jogo na Choupana, na Madeira, eu que há mais de vinte anos não punha os pés num jogo do FCP.
Os meus últimos jogos foram no Bessa, pois sou incondicionavel do Boavista e rezo para que voltem à 1ª divisão.
Gostei deste relato dum percurso no seio du clube que é símbolo desta cidade que eu aprendi a amar.
Abº
e que se tornou impossível não amar. :)
Muito Bem!
.... e as suas palavras ficam gravadas no meu coração, tal como a imagem de Jesus.
De uma tripeira benfiquista,
ilda pontes
Obrigado, Ilda. Vivam ambos:). Viva o Porto. Viva o Benfica.
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