Tinha um primo que na pré-adolescência gravava o aúdio do Cosmos em cassestes de crómio BASF e adormecia a ouvir a paixão de Carl Sagan nos confins do Universo, num estilo literalmente etéreo, não por ser moda nesses virtuosos anos oitenta, mas porque vinha realmente do céu, para onde voltou (o próprio Carl) em formato de poeira cósmica na véspera do dia mais pequeno do ano, antecipando assim o Inverno de Seattle (faz quinze anos em 2011).
Mas a voz que o embalava não era a do astrónomo, mas a de um senhor português chamado Eládio Clímaco, para a qual (voz) todos os adjectivos são curtos e todas os substantivos longos.
Está dentro da memória de todos os portugueses com existência autónoma, que se distingue, inclusive, da própria pessoa, que poucos conhecem. Mas que ninguém nos tire o direito a ouvi-lo.
Nessa substância, Cristina Neves é muito parecida.
É jornalista, e ainda menos vista, provavelmente porque não quer, e está muito bem.
Não precisa de ter corpo, não para nós, porque o que dela nos chega é tão palpável como o vento, espécie de sopro como ele, mas supera a imaterialidade dos sentimentos e tem mais textura do que as palavras.
Então, dizer o quê, como e porquê?
É a melhor voz portuguesa de sempre, e isso já convém desbravar.
Ou não?
E se ficássemos só com isto, com aquele ar superior de uma verdade incontestável, e repetíssemos apenas:
É a melhor voz portuguesa de sempre.
Sim, eu sei, querem discutir, querem atirar-me com muitos nomes do passado, mas se recuarmos demasiado vamos encontrar outro estilo, outra postura, outra colocação, outro tom. Sem comparação.
E eu aí sossego.
Deixem-me lá ser arrebatado e ter memória curta para esta voz de hoje, a voz que todos os dias nos entra em casa (no "Jornal da Noite" destoa, porque é boa demais para todos os dias) e que nunca teve o reconhecimento devido:
A Cristina Neves é a melhor voz portuguesa de sempre.
Não, não é só musselina, nem só tafetá, nem só seda, nem só flanela, é tudo isso e mais.
Vou telefonar ao meu primo e perguntar-lhe se ele agora grava os "60 Minutos", se adormece a ouvir a Cristina a contar as histórias que conta, vou telefonar à CBS News e perguntar-lhes se o pessoal por lá acha mesmo seguro ter uma voz portuguesa que hipnotiza as pessoas.
Provavelmente sim, dir-me-ão, e antes que concluam, atalharei
Provavelmente sim, dir-me-ão, e antes que concluam, atalharei
Sim, têm razão, são as vozes frívolas, secas, cruas que alienam, não as dos anjos.
Hitler não tinha nada de anjo, alienou, Cristina tem, e então faz o quê?
Leva-nos em viagens intermináveis, todas belíssimas, e cada uma tem o seu curso, e depois da foz de cada curso, quando a Cristina se cala, detemo-nos encantados como se olhássemos um fiorde nórdico com o fecho do casaco puxado para cima e as mãos enluvadas nos bolsos pensando
Ela trouxe-me até ao fim do mundo.
É aqui.
Chama-se Cristina Neves e quer que o corpo seja só A VOZ (deixem-na estar).
A voz em que todos reparam, mas de que poucos falam em público.
A voz que, sem festas ou cores-de-rosa ou mundos vazio de imagem,
ninguém diz.
A voz que, sem festas ou cores-de-rosa ou mundos vazio de imagem,
ninguém diz.
Digo eu:
É a melhor de sempre.
PS: vejam aqui um vídeo com A VOZ, para o caso de nunca terem reparado:)))
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